Romancista barrense Joaquim Neto Ferreira escreve "Jogo Sujo", novela que tem Barras como cenário


I

COMEÇO DA HISTÓRIA

                Ele parecia não ter mais o que ler e fechou a última página do livro “Crime e Castigo” de Fiodor Dostoievski. Deu uma olhada no caderno de anotações e balançou a cabeça, contrariado. Assim, La marque eliminava os dias com os olhos fincados na leitura do livro. O homem e a leitura tinham certo sincronismo absolutamente perfeito e afortunado de conhecimentos.

                La marque parecia que viajava e ao falar para o companheiro de cela sobre o conteúdo do livro, Caçoleta se virava para olhá-lo espantado com a aventura do protagonista da estória. Cabo Villaça o encarou com um olhar gélido lá do rancho.

                   Tome cuidado com o que conta, meliante.

               La marque não respondeu, apenas dirigiu-se para o fundo da cela. Os dois homens estavam sentados em silêncio dentro da cela. Do lado de fora, um vento gelado do nascente açoitava pela janela gradeada do lugar, como se quisesse arrancá-los. Barras mergulhara nas plumas plácidas dos líquidos cristalinos do inverno.

              Os homens pareciam não se importar com a chuva que caia dos ares barrenses. La marque era um homem musculoso e ágil, com um olhar tão desolado quanto à paisagem cinzenta lá de cima do pavilhão celeste. Examinou o horizonte azulino e como sempre, concentrou-se na escrita das cartas endereçadas a Berenice. La marque aprendera desde cedo com os livros e que o conhecimento manipula a mente dos mais fracos. Eles começavam a jogar damas.

                Então, como vai sua vida Caçoleta?
                Toda desmoronada.
                Ah, não vamos falar de nossas vidas.

               Caçoleta inclinou-se ligeiramente sobre o tablado do jogo de damas, baixando o tom de voz.
                Quero ver repetir essa jogada, La marque!

               La marque respirou fundo, já se controlando para não errar uma jogada em que comeria duas pedras e fazer uma dama, assim vencer o jogo. A manhã prometia ser longa dentro da cela.

                Você sabe mesmo.
               — Você precisa encontrar tempo para raciocinar as coisas que realmente importam. Sem amor, tudo mais perde o sentido. Uma enorme quantidade de jogadas veio à sua mente, mas La marque preferiu se manter em silêncio.

                 Eu não ganho mesmo de você! Mas, você disse que tinha algo de importante para me dizer.
                 De fato sim.

                Caçoleta olhou para o rosto de La marque atentamente. La marque sentiu que poderia fazer sua defesa diante daquela minuciosa atenção do companheiro. Atenção do homem era a maior dádiva e grande o suficiente para levá-lo a acreditar na história.

                Seu domínio era tamanho que conseguia ficar com os olhos cheios de lágrimas quando desejava e, um instante depois, exibir um olhar límpido, como se estivesse abrindo uma janela para sua alma, fortalecendo seus laços de boa fé com os outros.

                Na vida Caçoleta confiança é tudo. Disse La marque
                Fim de jogo!
              O homem recolheu-se ao fundo da cela e começou a escrever mais uma carta para enviá-la a Berenice.

         "... Amiga Berenice. Escrevo estas poucas linhas somente para dizer que se a descoberta do assassino for confirmada por você, com certeza será uma das mais incríveis revelações sobre esse crime misterioso já feito por uma pessoa leiga, sem a ajuda da polícia, a revelação é tão vasta e impressionante que ultrapassa nossa imaginação de ser humano, e ela tem um nome Helena...” assinado: La marque Mafagafos.



Correio do Marataoã.
Notícias:

AMANTE DE SAMANTHA É O PRINCIPAL SUSPEITO DE ASSASSINÁ-LA
14 de janeiro de 1988

            O amante da prostituta Samantha, La marque Mafagafos é preso como o principal suspeito de assassiná-la. A morte de Samantha, naquele lugar conhecido por todos na cidade de Barras, o “Bar das Estrelas”podia ter infinitas versões e nada poderia confirmar quem era realmente o assassino que decidiu um destino tão bárbaro quanto aquele para a vida da mulher.
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            Durante cinco anos La marque escreveu cartas e mais cartas para Berenice com objetivo de provar a inocência. Estranho, La marque pensou que Caçoleta pudesse decifrar uma linha do que estava escrito. Mas, logo ele o tranqüilizou dizendo não sabia ler. Caçoleta nunca havia freqüentado um banco de escola quando morava no interior de Barras. Os recursos para a área da educação eram desviados pelos políticos corruptos que o povo da terra de marataoan com freqüência elegia para o poder público e no interior que morava não havia escolas.
         
             — Tu nunca foi á escola? Perguntou La marque.
             — O grupo lá do São Domingos nunca saiu do papel e aí, papai me mandou para roça cedo. Disse Caçoleta
             — O que tu vai escrever La marque? – Perguntou o homem. Depois que desceu a vista no papel lotado de riscos, rabiscos e palavras.

          Minutos depois, soldado Sousa aproximou-se da grade da cela. Soldado Sousa todo vestido com uniforme militar impecável e um fuzil nos ombros. Ele caminhou na direção da cela dos homens com determinação. La marque ficou paralisado. Perplexo, La marque recebeu a marmita com a comida de dentro da cela.

         — Preciso que você entregue a minha irmã Glória com urgência.

         Ele não disse nada. La marque olhou, aterrorizado, com medo de o militar abrir a carta, mas ele podia confiar no homem. Em poucos instantes o soldado haviam sumido de vista. Caçoleta estava de pé, calado, quando o homem também o interrogou se não ia ter nenhum bilhete para mandar.

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